quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Dos partos que eu tive... - Parte V.I: Take Five. Ou como Miguel chegou chegando.

Eu não queria um parto mais emocionante, no tempo do Miguel, sem muitos planejamentos e orquestrações - mais jazz e menos música de câmara? Pois bem, vocês lerão o relato de uma jam session em que eu, Miguel, Dudu e Míriam deixaríamos The Dave Brubeck Quartet morrendo de inveja!

Se todas as cartas de amor são ridículas, todo relato de parto é sentimental. Vamos ver o que consigo fazer com o epíteto de "coração de pedra", dado pela madrinha de Miguel.


Vamos lá...


Eu já havia feito uma lista mental de tudo o que faltava deixar pronto para a chegada do Miguel. Ainda havia algumas roupinhas para lavar, guardar tudo, arrumar nossas malas... Essas eram as mais urgentes. Também faltava fazer uma longa playlist - já que o trabalho de parto podia durar bastante tempo; e plantar as sementinhas de girassol, que virariam as mudas que pretendia dar de lembrança.


Tive uma consulta com o Dr. Lucas na segunda, dia 16/06, com 38 semanas. Marcamos de fazer um ultra no Sofia na segunda seguinte, às 39 semanas. Daí pra frente, acompanharíamos semanalmente. Novamente ele nos explicou sobre a evolução do trabalho de parto, suas fases, etc., e reforçamos o plano de ação: 1 - Contrações ritmadas a intervalos de 5 minutos, ligar para a Míriam e para ele; 2 - Acompanhados pela Míriam em casa, seguir para o hospital quando estivesse com 4 a 5cm de dilatação, avisando o Lucas. OK... Parece simples. Tudo dominado!


Na terça tivemos uma sessão com a fisio. Aprendemos um monte de posições para alívio da dor nas contrações, possíveis posições para o parto e Dudu foi doutrinado em massagens, auxílio na respiração, o que não falar. Foi uma sessão bem divertida. Ouvimos algumas músicas que certamente estariam na playlist, dançamos, recebi massagens que aliviaram bastante as dores nas costas, treinamos a massagem para o períneo que deveríamos fazer até o dia do parto.


Na quinta, fui possuída por um espírito "fazedor", organizado e prático. Virei a própria Micaela Góes. O cansaço dos dias anteriores parecia ter subitamente desaparecido. Lavei e guardei todas as roupas que faltavam; troquei as roupas de cama do berço por um jogo limpo, previamente separado para receber o bebê; dispus os cosméticos em seus devidos lugares no banheiro ou no trocador; passei álcool no tummy tub; separei roupas de banho para o bebê; conferi e atualizei a lista de compras.


O espírito seguiu em mim na sexta. Arrumei nossas malas e a pasta de documentos. Repassei o check list. Faltava a playlist e as lembrancinhas, além de algumas compras que ficariam a cargo do Dudu... Cuidaria disso no sábado.


À 0:20 do dia 21/06, dia em que completava exatas 39 semanas de gestação, comecei a sentir contrações moderadas, em intervalos irregulares, mas pequenos. Não consegui ficar deitada. Andava pela casa. Estavam bastante suportáveis. Baixamos um app para monitorar o TP... Hahahaha.


Por volta da 1:00, Alice acordou e foi para a minha cama. Duas horas depois de terem começado, as contrações pararam. Dormi até as 4:00, quando as contrações recomeçaram, mais brandas e mais espaçadas do que anteriormente. Por vezes ficava quarenta minutos sem ter nenhuma. Por vezes vinha uma mais forte e parava novamente.


Foi assim durante toda a manhã. Imaginei que estivesse nos pródomos, dada a irregularidade e pouca intensidade das contrações. Possivelmente Miguel chegaria no domingo ou segunda. Comecei a fazer a lista de músicas. Dudu foi ao supermercado comprar biscoitos, chocolate, água de coco, algumas coisinhas que faltavam para levar ao hospital... O trabalho de parto logo começaria. Tolinha!


Ao meio dia, fomos Alice, Dudu e eu, à casa da minha mãe, que fica ao lado da minha, para almoçarmos. Terminamos o almoço e fui lavar as mãozinhas e rosto da Alice. Estava nisso quando a bolsa rompeu. Assim, sem mais. Nenhuma contração, nada. Rompeu. Eram 12:55. Chamei Dudu, entreguei Alice e veio uma contração muito forte. Logo mais uma. Pedi que ligasse pra Míriam e disse que iria para casa, tomar um banho. A essa altura, tudo que era para ser levado para o hospital já estava preparado. Até a roupa com que iria estava separada. A personalidade obsessiva que se apoderou de mim cuidara de tudo.


Andando para casa, parei umas duas vezes com fortes contrações. O caminho não deve ter 50 metros. Entrei no chuveiro e as contrações se intensificaram e pareciam cada vez mais próximas uma da outra. Dudu veio dizer que a Míriam estava a caminho, que disse que estava perto e passaria para avaliar (Soube depois que estava cortando o cabelo perto da minha casa. Providencial, não?!). Comentou que o tom era de que não havia motivos para pressa... Como se fosse apenas avaliar por segurança. Pensei que, se o parto ainda estava longe, o TP seria bastante difícil de enfrentar, já que as dores estavam bem intensas.  Pensei ainda, que talvez parassem em algum momento, como aconteceu de madrugada, mas intuía que Miguel já estava querendo nascer. Já não pensava que seria domingo ou segunda.


Dudu perguntou se deveríamos usar o app... Hahahaha. Tentou as massagens que eu mais tinha gostado no nosso "treinamento para o TP" com a Sabrina. Odiei todas. Curti as que havia menosprezado anteriormente. O que mais aliviava mesmo era a água. Água cura, gente! Sempre achei que um bom banho, quente e demorado, salva de qualquer coisa: mau humor, tristeza... Até câncer. Dizem de gente mal amada, eu acho que tem é gente mal banhada!


Quando tive uma trégua, fechei o chuveiro com a intenção de me secar e me vestir. Dei um passo e não consegui mais sair do lugar. Caí de quatro no chão e assim permaneci, gemendo a cada contração, tentando me concentrar na respiracão, até que Dudu apareceu, seguido pela Míriam, que me olhou e disse algo como "Oi, Pollyanna! Já está forte assim?". Só consegui assentir com a cabeça e me concentrar de novo na respiração. Ela pediu que eu avisasse quando conseguisse me levantar e ir para a cama, para que pudesse avaliar a dilatação.


Num intervalo entre contrações me levantei. A Míriam ainda lembrou-se de forrar a cama com uma toalha, coisa que nunca passaria pela minha cabeça nesse momento. Ela fez o toque... 8 cm. Com uma voz inacreditavelmente calma e tranqulizante, me disse que chegaríamos ao Sofia com o bebê nascendo.


Desde que ela chegara, qualquer preocupação desapareceu. Nunca tive outra parteira para dizer se é do ofício, mas desconfio que seja dela... Sentia tamanha segurança, que era impensável tomar qualquer decisão sem sua opinião. Havia a questão do risco de rotura uterina devido à miomectomia. A essa altura, de acordo com os planos, era pra eu estar no hospital, sendo monitorada há algum tempo. Agora tínhamos de decidir entre um parto domiciliar não planejado ou enfrentar estrada e anel rodoviário rumo ao Sofia. Mal consegui perguntá-la se achava que deveríamos ficar em casa mesmo, ainda a caminho do carro. A resposta "dá tempo", embora com voz tranquila, soou mais como "é melhor estar no hospital".


Me lembro da Míriam perguntando se eu queria que ela fosse no carro comigo ou nos seguisse no carro dela. Acho que respondi apenas "comigo". As ideias eram super elaboradas nesse momento, mas as respostas saíam monossilábicas, quase um grunhido. Me lembro de ainda estar um pouco de posse de mim mesma, pois dava um monte de ordens pro Dudu - pega isso, não esquece aquilo, tal coisa está em tal lugar. A Míriam o ajudou a colocar tudo no carro e ainda se lembrava de detalhes como... Chinelos! ("...And you don't give a further thought to things like feet / Let's get happy")



Já no carro, adverti Dudu que dirigisse com muita cautela dentro do condomínio, por causa do calçamento. Previa que não seria fácil sentir contrações sacolejando. Ficar sentada era insuportável, então a Míriam me orientou a ajoelhar-me no banco, virada pra trás, de modo que Dudu só via a minha bunda quando olhava pelo retrovisor. Considerando que essa foi a posição que escolhi para parir, acho que ela se preparava para a eventualidade de ter de receber Miguel dentro do carro... Incrível sensibilidade de parteira experimentada! Estando eu e Eduardo sozinhos, eu jamais pensaria em ir desse jeito; possivelmente ia tentar ir na frente, com o cinto de segurança - Esclareço que não estava vestindo minhas smart clothes, ok? Não as fabricam para gestantes. Mais uma sugestão salvadora.
Não conseguimos contato com o médico. A Míriam mandou uma mensagem e fomos, tão rápido quanto possível, para o Sofia. A própria Míriam fez contato com o hospital para reservar uma suíte. Para dar mais emoção, porque um TP a jato e o risco de a criança nascer no anel rodoviário eram pouco, não conseguia falar no hospital. Ligava para a Casa de Parto e pedia para transferir, a ligação caía, ligava de novo, auscultava o bebê, indicava o melhor caminho ao Dudu, me acalmava, me dava a mão pra eu apertar durante as contrações... Tá, o parto é da parturiente. Mas já deu pra perceber que Dudu e eu estaríamos screwed sem ela, né? O mais provável é que terminássemos em uma cesárea no Vila da Serra, que é o hospital mais próximo, com o plano de parto (que só ela lera) pisoteado. 

Míriam Rêgo no parto do Miguel. Porque assobiar e chupar cana é para os fracos!

Tá grande, né? Vou dividir a parte V. Seguimos com o parto no sábado!







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