sábado, 13 de setembro de 2014

Dos partos que eu tive... - Parte V.II: Heaven, I'm in heaven.

Tantas palavras para um parto tão rápido... Sigamos!

Meus pais ficaram responsáveis por levar Alice para a casa da minha avó, para ficar com a tia Naná, que ela adora, e a única pessoa com quem ela já passou a noite fora de casa. Ela estava bem e feliz. Nada de cunho prático a resolver... Era tempo do Miguel.

Chegamos ao Sofia! Ufa... Miguel não nasceu em trânsito. Desci do carro quase engatinhando, descalça, e novamente a Míriam lembrou-se dos chinelos. Acho que ela não curte muito pessoas descalças. Ou pode ser que andar sem sapatos por um hospital não seja a melhor das ideias.

Perdi a compostura na porta do hospital, ouvi um "joselito" dizer: tá sangrando aí..., e fui amparada por uma senhorinha muito gentil, que disse palavras de incentivo e apoio. Atitudes assim são tão reconfortantes, né? Me contou que era doula e havia sido treinada pela Míriam, que depois contou que ela se chamava Aparecida e que, mesmo antes de haver doulas no Sofia, acompanhava um monte de gestantes ao hospital, inventando parentescos para ter acesso. Nunca vou me esquecer do gesto carinhoso dela com uma desconhecida.

Sabia o caminho da suíte, aprendido na visita guiada com o Lucas. Firmei o corpo e rumei obstinada. Algumas pessoas falaram algumas coisas no caminho. Não tenho ideia do quê. Já estava na fase expulsiva, já sentia os puxos desde que saímos do anel rodoviário. Só pensava que Miguel não podia nascer no corredor. Não depois de termos conseguido chegar ao hospital, né?

Na porta da suíte, um enfermeiro avisou que não estava pronta. Entrei assim mesmo. Acho que estava na tal partolândia. Ouvia e entendia tudo, mas agia instintivamente, de forma tão decidida, que nem eu mesma conseguia me parar, rsrsrs.

Quando terminaram de forrar a cama, a Míriam sugeriu que eu esperasse ali, enquanto a banheira se enchia. Me agarrei ao arco e a partir daí senti uma tranquilidade (não calma), que o mundo podia desabar. Estranhamente não pensei em analgesia em nenhum momento. De qualquer forma, acho que nem era mais possível.

Sabia que o momento do nascimento estava muito próximo, já não me preocupava com a possibilidade de rotura, estava segura de que Miguel chegaria de forma natural. Digo que não estava calma, pois tive pressa. Agora que o parto normal, mais que isso, o parto natural, era uma realidade, queria logo tê-lo em meus braços. Fiz muita força. Acho que essa pressa foi o que me custou algumas lacerações.

Não era mais dor o que eu sentia. Mesmo. Eu que nunca acreditara nisso quando lia relatos de outras mulheres. Os gritos, os sons, não eram de lamúria. Acho que eram quase um chamado e uma forma de catarse... É muita energia envolvida. Nada daquilo era sofrimento.

O plano de parto, nem sei se levamos, não pode ser lido pela equipe do hospital. Não houve tempo. Se tivéssemos podido terminar a playlist, seguramente Miguel nasceria ao som de Accelerate, do R.E.M.

Tudo estava como eu quis. O ambiente estava muito acolhedor e tranquilo, apesar da correria. As conversas eram amenas, as janelas foram parcialmente fechadas e estava uma penumbra gostosa. Havia duas pessoas da equipe do Sofia, um enfermeiro cujo nome não me lembro, que cuidava de encher a banheira, pegar os materiais necessários; e uma enfermeira de nome Joana d'Arc, impossível de esquecer, por ser o nome da tia Naná (que em breve terá um post só dela).

Eduardo tinha ido estacionar o carro e descer nossas coisas. Logo chegou e não soltou mais minha mão. Os dois profissionais do hospital se mantiveram mais distantes, em que pese sempre acolhedores. Até o momento do nascimento, me lembro de sermos eu, Dudu, Míriam. Me lembro de muita leveza, tranquilidade, alegria.

Não sei quanto tempo estive agarrada ao arco. Míriam me avisou que a banheira estava cheia. Não sei se tirei o vestido nesse momento ou se já estava sem ele. A força era involuntária. Logo senti o círculo de fogo. Ouvi quando a Míriam avisou que já avistava a cabecinha e perguntou se eu queria tocá-la. Não quis. Novamente tive pressa e fiz muita força. Daí pra frente foi muito rápido.

O nascimento propriamente, foi uma das melhores sensações que já tive, física e emocionalmente. Lembro da voz da Míriam me dizendo que estava nascendo, lembro de senti-lo saindo completamente, lembro de olhar para o Eduardo, da voz da Míriam novamente, doce e muito alegre, dizendo que ele nascera. Eram 15:15. E pausa.

...

O tempo parou. Silêncio. Éramos só nós dois. Olhei, vi, reparei (1). Peguei, aninhei, cumprimentei. Aquele olhar... Ah!, que minha memória tanto ama, imperecível (2). Nos entendemos de imediato. Não tenho ideia do que aconteceu em volta, nem por quanto tempo estive admirando, sorridente, aquele bebê apressadinho, que pousava agora, tranquilo, sobre mim.



Com a experiência de um parto cheio de procedimentos e protocolos, perguntei se podia amamentá-lo. A resposta positiva veio da Míriam e da Joana d'Arc, ao mesmo tempo. Foi só posicioná-lo e ele soube instantaneamente o que fazer. E ficamos assim, por mais de uma hora. O cordão quase parara de pulsar quando Míriam perguntou se podia cortá-lo. E quedamos os dois na banheira, muito tempo.

O que se seguiu depois está meio embaçado em minha lembrança. Sobretudo no que se refere à passagem do tempo.

Joana d'Arc veio me fazer algumas perguntas de praxe para preencher os papéis, quase desculpando-se por incomodar. Não incomodava. Nada incomodava. Eduardo foi fazer a admissão. Fui para a cama ainda com Miguel no peito. A placenta saiu com uma pequena ajuda da Míriam, que examinou-a e disse que estava tudo bem. Não a quis.

Miguel não recebeu colírio, não foi esfregado ou banhado, tomou a vitamina K mamando. Eu não quis a injeção de ocitocina. Foi pesado no quarto, com o Eduardo acompanhando. O enfermeiro o vestiu. Ficou conosco todo o tempo. Qualquer coisa nos era explicada e perguntada. Era nosso momento, nossa experiência.

A Míriam precisou dar alguns pontos, por causa das lacerações. Me ajudou a tomar banho e me vestir. Foi-se quando estávamos os três, esperando um leito vagar para liberar a suíte. O hospital estava muito cheio.

Ficamos os três, na cama, aguardando. Sem médicos, sem ninguém dando instruções ou cumprindo inúmeros protocolos. Ficamos os três, nos conhecendo. Os planos mais elaborados não contemplariam tanta satisfação, tanto ajustamento aos meus desejos e ao nosso jeito de sermos nós, e só nós, em momentos assim. Éramos risos, carinhos, contemplação, e amor que não cabia.

(1) - Referência à frase do Livro dos conselhos, que serve de epígrafe ao Ensaio sobre a cegueira, de Saramago.
(2) - Referência ao poema Para o Zé, de Adélia Prado.

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